- A que te cheira Imensidão do Vazio? Que raio de título! Só ao dizê-lo fico assustado. Parece um fantasma que me come vivo.
- Não sei. Toca-me, mas ao mesmo tempo está distante de mim. Corro à procura dele, mas as palavras fogem e deixam para trás isso mesmo, um cheiro. Um perfume novo, indecifrável e por intitular.
- Calma, mais devagar. Então é um cheiro, deixado por um título, que está por intitular?
- Sim, isso mesmo. Parece passar uma mensagem nova, como uma brisa que atravessa a nossa alma pela primeira vez, deixando um rasto que queremos chamar, mas não sabemos o nome.
- Mas ouve bem, se é novo então alguém há-de ter que lhe dar um nome! Até as próprias pessoas precisam de outras pessoas para serem mais do que uma pessoa.
- Estou a ver que andas a prestar atenção aos livros.
- Olha lá, achas mesmo? Simplesmente soube dar um nome ao meu filho.
- Pois, mas a verdade é que eu não consigo arranjar palavras para as palavras. Elas arrepiam-me e vibram todos os meus sentidos. Mudam-me de direção e completam a minha parte vazia, mas ainda assim fica sempre algo por preencher e uma imensidão de palavras que não cabem nela. Só que há coisas que mexem comigo sem falar, sem mudar nada em mim. Como se me fizessem avançar e recuar, ficando no mesmo lugar.
- Um suspiro?
- Digamos um fôlego, um ar que retemos e libertamos!
- Não vai dar tudo ao mesmo?
- Vai.
- Então de onde vem a preferência?
- Não sei, também não compreendo!
- Andas a ficar demasiado estranho. Não consigo perceber nada dessas tuas ideias. Parece-me que estamos discutir como são, coisas que nem são.
- Eu sou.
- E a poesia é?
- Não. A poesia só é versos. Podia utilizar a palavra meros, apenas ou exclusivamente, mas porque o haveria de fazer se são só versos? No entanto, repito, eu sou e por isso, ela é enquanto que eu lhe der vida. Tu também o podes fazer se lhe deres a oportunidade de ser aquilo que ela faz.
- Acho que não estás a perceber, nem parece teu. Eu perguntei se a poesia era no sentido de viver por ela própria como nós. Segundo o que tu dizes os computadores também têm vida se alguém os amar.
- Belo exemplo. A verdade é que os computadores são, mas são sempre a mesma coisa e como tu fizeste a pergunta no sentido da existência de vida, digo-te, eles são desprovidos dela. Viver é não ser, porque ser implica ficares parado num determinado instante em que tens determinadas características e viver é uma constante, inconstante, sempre em movimento. Se tu vives, nunca és nada, mas sim estás a ser!
- Então só os seres vivos é que são, porque um poema é sempre o mesmo.
- Aí é que te enganas. Um poema nunca é o mesmo, porque ele só existe se for lido e ninguém o lê da mesma forma. Em si e para além de tinta, a poesia só é versos.
- Cá eu, acho que para haver vida, tem de haver opinião e a poesia não fala sozinha, precisa de alguém que a faça viver, como tu disseste.
- Então nada nem ninguém tem vida!
- Então porquê? Nós humanos temos opinião.
- Pois temos, aliás, eu até já o disse por outras palavras, mas toda ela surge de outras opiniões e ideias, como uma corda à qual se acrescentam outras cordas inspiradas na que já lá estava.
- Mas teve que haver um começo, uma primeira vivência que pudesse inspirar todas as outras.
- Não.
- Não?
- Não, porque as opiniões são obras da sociedade. Ora, como esta funciona ciclicamente, não tem princípio, meio, nem fim.
- És capaz de ter razão.
- Talvez, mas tudo o que se tem, perde-se. É a vida!
- Olha, acho que já sei porque é que a Imensidão do vazio me assustou.
- Então diz lá!
- Para viver não podemos ser.