quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Enlace


 Este é o primeiro texto dos "Instantes"




As ondas acariciavam a areia, levavam-lhe as pedras mais pesadas e devolvi-as já desfeitas, como se de pós mágicos se tratassem. O mar parecia estar de férias para um retiro espiritual. A areia mantinha-se branca e macia, carregada de algas secas em risco de vida. O sol transmitia uma força misteriosa e reconfortante que aquecia sem queimar, parecendo estar a disfrutar dos seus últimos momentos do dia naquele lugar, onde se intersetava com o mar e refletia os seus raios retos na suave ondulação das águas. O céu alaranjando era o pano de fundo daquele cenário digno de uma arte ainda mais íntima do que tudo aquilo que já fora feito outrora. Toda aquela aurea seria explicável apenas por algo superior e a superioridade está no poder de tornar algo banal em algo capaz de levar todos os indivíduos deste universo a viver aquele preciso momento com toda a precisão, deixando para trás aquilo que são para encarnarem aquela magia por instantes. O ambiente era§ perfeito. Todos os elementos se abraçavam àquele enlace. O amor tinha sido roubado a todos os corações do mundo para se concentrar ali e os dois criminosos não demonstravam receio em serem captados. Seriam capazes de fazer e refazer tudo o que estivesse ao seu alcance para poderem viver suspensos naquele instante. Não houve palavras a entupir os suspiros, a ofuscar os olhares, a criar vibrações entre a pele que se tocava. O silêncio falava mais alto do que qualquer sonoridade com um significado lato. A palavra perfeita, a palavra que deveria ser dita, ainda não tinha sido inventada e para quê existir uma palavra para a qual não conseguimos conceder significado?
Ambos sabiam apenas que estavam ali por um infeliz acaso, mas qualquer acidente deixaria de ser negativo se fizesse emergir o que eles estavam a sentir. A memória tinha-lhes fugido sem pedir autorização e tudo aquilo que eles eram baseava-se nos dias que tinham passado juntos. “Nós somos as nossas memórias” e por isso, eles conheciam todas as esquinas do coração de um do outro. Para eles, o único mundo que existia era os traços do rosto e do corpo daquela pessoa que tinha ido parar aquele lugar que iria passar a ser o seu lar. Na verdade, pareciam conhecer melhor o outro do que a eles próprios, como se não houvesse nada a descobrir dentro deles, mas sim uma esperança de que dentro do outro vivia algo maravilhoso capaz de os salvar do vazio. Um vazio imensamente feliz! Um vazio que se preenchia a cada dia que passava com o amor que os reunia sem saberem. Só existiam eles os dois. Quem mais poderiam amar? O que mais lhes poderia garantir que continuavam vivos? 

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A vida continua


O céu estava chateado com a vida. Mantinha-se escuro e volumoso como se berrasse com as suas nuvens, dizendo que não queria trabalhar mais. Parecia que o fim do mundo estava mais próximo do que nunca e por mais lâmpadas, foguetes, holofotes, velas e candeeiros, o dia continuava negro, triste, sem cor. As folhas das árvores, coitadas, sofriam com o mau humor do vento. Chocavam com outras folhas que detestavam, com pessoas, com muros, com carros. Ninguém tinha pena. Não passavam de folhas, simples folhas. A vida continuava.
O grande problema do momento era a tempestade que se encaminhava para aquela terra. Todos usufruíam da tranquilidade e da monotonia do céu nublado, quando mal sabiam que ele não se iria manter daquela forma para sempre. Uns desejavam uma reviravolta. Queriam sentir o sol outra vez e aceitavam qualquer sacrifício que os levasse a esse prazer. O impensável era continuarem naquele tempo a viver em banho maria. A vida tinha de continuar. Porém, tudo isto assustava a outra metade do mundo. Para quê sofrer se se sentiam bem assim? Para quê ver todo o mundo revoltado se ele já não estava mau? Admitiam que poderia estar melhor, mas insistiam na ideia de que o sol quente os iria levar a outra tempestade até que ficassem perdidos num ciclo imparável. Preferiam usufruir do equilíbrio. Preferiam ser uma metade, em vez de tudo ou nada. E discutiam. Discutiam, discutiam, nunca chegando a uma conclusão. Continuavam suspensos no tempo. Procurando argumentos para acontecimentos que nunca iriam fazer acontecer. E assim, a vida continuava. Ia-se andando. Até ao dia em que a vida venceu os viventes...

Teresa Poças