domingo, 29 de dezembro de 2013

A cidade de Caeiro

A poesia surge quando um corpo que sente treme na corda estreita que é a vida!
Até Caeiro, que era Caeiro, escrevia com medo de deixar de ser Caeiro.
Ele tremeu. Acreditem. Ele tremeu.
Não vão na conversa do fingimento, da junção do objetivo com o subjetivo,
Não vão na conversa da fragmentação, da abstração de si mesmo,
Não vão nessa história da antimetafísica!
Que raio de homem é este que pensa sobre não pensar?
O pensar não se pensa, vive-se!
E, permitam-me esta falácia, quem não pensa, não existe!
Acreditem. Se é que existiu. Caeiro tremeu.
No meio da paz das suas ovelhas, da beleza da complexidade de uma paisagem vazia, dos verdes campos e das flores e das árvores e dessas coisas naturais absolutamente belas que os poetas não se cansam de descrever antes de dizerem alguma coisa de jeito,
Caeiro respirou a poluição, perdeu-se no trânsito, bebeu até ter de ir para casa de táxi, dançou com cara de alegria ao som de música foleira e chegou a fumar um maço por dia até vir a moda de deixar de fumar.
De uma maneira ou de outra Caeiro experienciou essa treta toda lá no meio da sua terrinha distante da civilização.
Caeiro, sim, esse grande Mestre que tanto admiro, também tremeu.
Tremeu porque, mesmo que tenhamos a mania das meteorologias, às vezes lá vem uma chuvada num dia de Agosto e as praias ficam desertas.
Tremeu porque, mesmo que não o demonstrem, os mestres também tremem
E, aliás, são os que têm mais razões para tremer.
A única diferença entre um mestre e os outros
É que o mestre treme o que for preciso
Mas nunca cai da corda
Porque aprendeu a movimentá-la a seu favor
Em vez de se deixar levar pela inércia das sensações!


Dou como fixa a minha.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Coca-cola

Eu não uso o papel e a caneta para escrever o que sinto, mas sim para limpar as impurezas que se instalam na língua e teimam em não sair. Sou uma pessoa expressionista. Sofro de um terrível desespero por me expressar e uso e desuso as palavras sem nunca as desvalorizar.
As minhas palavras são lágrimas secas. E, jamais, deixarei de chorar.
Choro pela vida, pelo amor, pela saudade, pela fome, pela vaidade,
pelas noites cheias de luz, pelos dias em que anoitece, pela dor que provoco, pela dor que me provocam, pelo vazio que tenho, pelo vazio que me oferecem.
Vivemos numa sociedade vazia.
Não digo isto por lamentar o presente e querer voltar aos supostos bons velhos tempos.
Digo-o porque ela é vazia e não tem outra forma de ser.
Digo-o porque quanto mais me integro nela mais vazia me sinto.

A sociedade é uma autêntica coca-cola: corrói, aos poucos e levemente, mas corrói e nós, indivíduos, não paramos de a beber.
Às vezes, surgem pequenos buracos nas veias, algumas espinhas na cara, mas nada que não se aguente.
O importante é haver sol, juntar a malta toda, enfardar pacotes de batata frita e, claro, nunca esquecer a coca-cola.
No entanto, há sempre aquele indivíduo que leva sumo de laranja ou de maçã, bebidas que a malta só bebe se estiver a morrer à sede e não houver coca-cola nem um supermercado à beira.
E depois há sempre um desgraçado que lá bebe sumo de maçã para não gastar coca-cola e diz que até gosta, há sempre um chico esperto que prefere o sumo de maçã à coca-cola e nem gosta de sumo de maçã ou então, neste caso nem sempre, há um inteligente que gosta mesmo de sumo de maçã e dá-se ao luxo de ficar com a embalagem só para ele.

Choro pela sociedade.
Choro e não paro de chorar lágrimas secas que teimam em não sair.
É difícil descrever o vazio. Diria, até, que se torna num caminho demasiado infinito para um ser com tempo de vida limitado se atrever a completar.

Choro por tudo aquilo que não é técnica:

Eis a minha definição de arte!