Não sei bem explicar o que isto é. Sei que já fazia tarde e não conseguia tirar da cabeça a ideia de não estar no sítio certo. Assumo que ponderei alongar a vida desta personagem e deixá-la florescer, mas ainda não me sinto suficientemente preparada para deixar que ela faça parte da minha vida.
Hoje é mais um dia em que acordo num lugar mais horrífico do que qualquer pesadelo que possa ter. Por vezes, nem reparo que o sol esteve a tentar queimar os meus olhos durante as viagens que faço pelo meu inconsciente que podem durar horas, noites e dias. A verdade é que ele não me faz grande diferença, a não ser lembrar-me de que sou uma otária por não o aproveitar para aumentar a lista de razões para ser feliz. Todas as listas e planos são um contra-ataque ao falhanço previsto por não termos confiança nos nossos próprios talentos, se é que os temos. No entanto, sentir que somos os ramos que seguram as flores, os tijolos que resguardam um lar, as veias que ligam os órgãos, enfim, a placas que seguram o mundo, por vezes faz-nos sentir mais importantes do que ser o próprio mundo! Gostamos de lhe poder dizer que ele não existiria sem nós, que cairia nos confins do universo sem a nossa força e que por isso, nós, sim, nós, somos um mundo ao quadrado... que por acaso significa um mundo.
Por acaso? Será? Claro que não! O ser humano é uma vida ao quadrado, uma só força que se sente duplicada, virada do avesso, mais do que apenas um só ser. Sentimo-nos muitos e a verdade é que não somos dois, mas também não somos só um. Somos extremamente complexos e incapazes de fugir a um zero capaz de eliminar todas as raízes quadradas, retangulares ou obtusas que estejam em evidência com a soma das divisões das partes de tudo. Agora não ficava lindo dizer que nem esta equação explica o amor eterno e grandioso que sinto por um fulano qualquer que deveras tinha encontrado anteontem? Sim, ficava, mas a verdade é que ainda não encontrei outro um pelo qual me possa multiplicar e fortalecer a fragilidade que aparento. Sinceramente, não sei se estou à espera ou à procura, mas de uma coisa tenho a certeza: Não estou no lugar certo!
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Filha, anda cá, estou farta de te chamar e tu nunca mais vens!
Sim, mãe, já vou!
‘Tá bem, vem quando quiseres, até fica aí se preferires, tenho mais que fazer.
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Duvido plenamente que a minha mãe tenha alguma coisa para fazer ou alguém à espera dela a não ser os típicos apresentadores dos programas da manhã que fazem de tudo para mostrar que aspirar o pó até pode ser divertido. Normalmente, ela passa os dias a pintar ou a pensar nas crónicas que escreve semanalmente para algumas revistas, uma de economia, outra de política e sociedade e outra sobre as peripécias e os parafusos das mulheres, que ela tão bem compreende, mas ao mesmo tempo ridiculariza. Adoro a forma como ela demonstra o amor que tem pelos outros. Em vez de me deixar faltar à escola hoje, poderia ter começado a berrar e utilizar o meu telemóvel como ameaça para deixar o seu cérebro organizado e não duplicar o peso da sua consciência, mas ela tem uma capacidade tão grande de arriscar e uma confiança em si mesma tal, que acredita na possibilidade de eu mudar, crescer e amadurecer mais cedo do que aquilo que eu possa imaginar. Ela também sabe sem margem para dúvidas, que eu não vou aproveitar este dia de folga para pôr em dia as séries que tenho gravadas ou fumar um charro utilizado por meio mundo, mas sim para procurar o meu lugar no mundo. Sabem onde ele fica? Em mim, mesma, por isso só tenho de me descobrir! ATENÇÃO, só, e repito, só, tenho de me descobrir a mim mesma. Parece fácil, não? A mim parece-me mais fácil descobrir o Brasil no séc. XII ou pisar o sol em 2013 e não estou a exagerar! Isto parece absurdo, mas a verdade é que quanto mais me procuro, mais fujo de mim mesma, porque não quero ser encontrada. Incongruente? Sou uma pessoa, que mais posso dizer?
O melhor é eu largar estes pensamentos antes que entre em estado psicodramático e tomar um bom pequeno almoço para encher o estômago e porventura, tapar a alma se ela ficar próxima dele. Crepe de chocolate com sumo de laranja, parece-te bem? Sinceramente, também não me interessa, tenha as calorias que tiver eu vou comê-lo na mesma e ainda por cima só tenho de o retirar do congelador e clicar no botão do microondas! As calorias são um preço mínimo a acrescentar àquilo que paguei por isto em promoção conforme a quantidade. Além do mais, não estou gorda! Posso não ter um corpinho “perfeito” realçado pela beleza dos ossos como a maioria das dondocas, estrelas de cinema e raparigas armadas em modelos que andam por aí, mas também não sou nenhuma baleia. Simplesmente, gosto de ter prazer e isso não é normal? Não acredito que alguém tenha razões para me julgar por isso, apesar de haver quem pense que sim! A Natureza deu-me 1 metro e 72 centímetros para segurar os meus 60 quilos e muitas coisinhas boas à disposição para eu ingerir. Afinal, se não fosse para cobrir todas as lamúrias e adocicar todas as lágrimas salgadas, para que é que serviria o chocolate? Não vejo razão mais nobre de existência do que derreter os corações mais frios deste mundo que batem sempre à mesma velocidade sem questionarem a parede que confrontam todos os dias. Ai meu Deus, como é que eu cheguei até aqui? Crepes de chocolate? Incrível, posso comer à vontade, sentir, pensar, refletir e questionar são atividades absolutamente desgastantes! O melhor é eu ir buscar um papel e apontar todos estes desvaneios para tentar provar o quão lucrativos são estes dias vazios em termos de autoconhecimento. Aliás, eu acho que ficar em casa é a única forma de evitar a estagnação da filosofia e de desenvolver o conhecimento moral, pessoal e social. Ok, talvez esteja a exagerar, admito que estar em sociedade é a melhor forma de a perceber, mas se nos limitarmos a estar sempre presentes nela, acabamos por seguir a maioria, conformando-nos com os crepes “préfeitos” e “ultracongelados”. Por isso mesmo, preciso de dias a sós em que possa apontar as receitas que vou aprendendo e refletir sobre elas para poder conjugá-las e criar a minha própria receita, isto é, os meus próprios crepes! Nem mais, a cozinha espera-me e o futuro da gastronomia lisboeta também!
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