- Olha só para aquele carro. Ainda dizem que nada se consegue com sorte, mas sim com trabalho... Cá eu trabalho o dia todo desde que saí da escola e não tenho nada daquilo.
- Talvez porque não fazes o mesmo trabalho. Já pensaste que podes não ser tão necessário?
- O que é que tu estás para aí a dizer? Eu sou tão ou mais necessário do que esses gajos de fato que passam o dia sentadinhos a conversar e a beber chá enquanto que eu estou a trabalhar. E não me digas que trabalham com a cabeça que eu não vou com essas tretas.
- Não vou discutir isso contigo, porque não vale a pena, mas tu sabes bem que sem eles o teu trabalho ainda valia menos. Agora não penses que eu acho que tu és um caso perdido. Longe disso! Todos nós somos necessários!
- Então porque é que aquele tipo passou de jaguar e eu ando neste fiat que mal arranca?
- Existem várias formas de sermos pagos. Aposto contigo que quando eras jovens e levavas a tua namorada para o monte divertias-te mais do que aquele tipo naquele jaguar. Para quê ter um carro enorme e luxuoso se ninguém quer andar contigo nele? Ou então, só o quer pelo carro e não por ti? Tu és o gajo mais sortudo no meio disto tudo. Se o tamanho do teu carro não te chega é porque tens sempre pessoas ao teu lado. Todos esses ricalhaços perdem a noção daquilo que verdadeiramente importa. A fortuna e os luxos servem apenas para destorcer a infelicidade e encher um vazio que continuará sempre sedento.
- Tu sabes que eu não sou bem gajo de dar voltas com a cabeça, mas também gosto de ir lendo os jornais e ainda há dias li que as pessoas com mais dinheiro são mais felizes.
- Pois. No entanto, quando somos pobres desenvolvemos muito mais o nosso lado afetivo, porque não nos preocupamos com o resto. E pensa, não achas que a amizade, o companheirismo e a família são muito mais importantes do que assistir a um concerto erudito?
- Ai se não acho! Mas se eu não tivesse que ir buscar lenha e lavar o carro, e pudesse pagar a quem me fizesse isso, ia ter mais tempo para a minha família.
- Concordo, mas para teres esse dinheiro nem tempo tinhas para pôr os pés em casa.
- Mas tu não dizes que esses ricalhaços só trabalham com a cabeça? Podia trabalhar em casa.
- Pois esse é o grande problema. Tu trabalhas com o corpo, levas para casa o corpo cansado, mas a alma fresca. Se trabalhasses com a cabeça não irias ter cabeça para aturar os outros. E sabes, meu caro amigo, se amar requer paciência, significa que também precisamos de cabeça para amar.
- Eu concordo contigo. Nem tenho cabeça para conseguir discordar, mas acho que se tivesse um pouco mais de dinheiro ao menos para poder comprar mais livros para os meus filhos e para os poder levar mais vezes ao cinema acho que não me iria tornar numa pessoa fria.
- Querias ser como eu?
- Sim, equilibrado.
- Não queiras. O equilíbrio sufoca-me!
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