domingo, 26 de outubro de 2014

Era só uma vez

No surgimento de uma tarde,
Há sempre uma manhã
Que não acabou!
Tragam-me outro dia nesta tarde
Outro discurso
Outro poema
Outra canção!
E tragam-me a Maria,
O Manuel, a Susana,
O Mário, a Catarina,
Tragam todos,
Não têm de rimar!
Juntos, criem uma tarde
Que não traga uma manhã!
Uma história que comece
Numa vez que era mas não foi.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

nódoas

Há dias que não chegam a terminar
E que dormem connosco
Num conflito de paz e inquietação
Exigindo durar mais tempo!

Todos nós somos infelizes por dentro em algum lugar
Quer seja pequeno e maciço,
Ou grande e disperso!
E todos nós temos dias vividos
Que viverão mais anos e anos!

Que sejam muitos?
Não sei!
Mas que haja tempo
Para criar lugares felizes,
Quer sejam pequenos e maciços,
Ou grandes e dispersos,
Desde que em muita quantidade!

terça-feira, 3 de junho de 2014

comprime

noite de dia inacabado,
língua remexida, seca,
neurónios doentes de maquinizar,
o que já sabem fazer
mas às vezes não se lembram

águias por todo o lado
voam, levemente, e ferem
ferem e magoam e doem
as aves mais belas e límpidas
que não mentem

nada como estar entretida
com uma canção qualquer
que surgiu após a minha preferida!
não há nada a perder,
cidadãos deste mundo,
não há nada a perder!
mas irão sempre haver
aqueles artistas
que só têm uma canção
e aquelas pessoas
que só têm um momento
um olhar
uma palavra
um beijo
que será eternamente
o nosso preferido

tudo é perfeito
quando não se dilata
a sua perfeição

há muito a perder,
cidadãos deste mundo,
tudo se perde!

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Do momento

Continua!
Não há lugar certo, homem,
Não há lugar certo!
Continua que amanhã tens de viver
E abraçar a nudez da noite
que ainda não viste
nem nunca verás

Irmão, não há lugar certo!
Continua que amanhã tens de sentir
O mesmo conto sem pontos
A mesma saudade por perto
Que nunca te tocará!

Continua,
Que amanhã o destino será o mesmo
(o destino é sempre o mesmo
depois de alcançado)
Mas verás mais umas curvas,
Uns viadutos, umas portagens
E irás parar cansado,
À procura de um café
De um "boa noite, o que deseja?"
E, quando te sentares
A ler o jornal inútil que saiu de manhã
Por instantes, aquele lugar parecerá o certo!

sábado, 17 de maio de 2014

A segunda trinca de Adão

Esta manhã acordei a horas desapropriadas,
Rebolando na minha cama vazia!

O perfume era de alfazema,
As curvas confortáveis
Deslizavam sobre o colchão ortopédico!
Vida adormecida, sem lema,
Coração partido, amor periférico!
Nada é tão belo como o escuro,
As persianas semiabertas,
O amanhecer inseguro,
Visto por baixo das cobertas,
Que a mamã não esqueceu!
Não sou mulher de adormecer ao relento,
Mas jamais acordarei protegida,
Depois de ser levada pelo vento,
Que a madrugada alcoolizou!

Sou a deusa que o perigo nunca teve,
Ouso da minha inocência,
Fatalmente doce, natural
E tão consciente!

Não vais querer cair na minha indefinição,
Na minha mente espessa, no meu corpo são!

Sou a maça que Adão não trincou
E a Eva que o fará saborear o resto da maçã,
No dia em que o equilíbrio explodir
E a balança pesar o mesmo para os dois lados.

Não sei o que há-de vir!
As deusas nunca sabem o futuro,
Nada se fará realidade depois de pensado
E Adão e Eva nunca existiram.
Mas eu, perigo disfarçado,
Creio no que não vi,
Quando o sinto ao meu lado,
Nesta cama vazia,
Que será também de Adão,
Esse que não existiu,
Um dia!

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A lua engradeceu na noite em que se deitou ao meu lado!
Somos sempre maiores quando deixamos um céu de estrelas
Para cair ao lado de uma só voz!

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Unidade

Esqueci-me de poetizar esta vida que não canta
E que adormeceu no meu figurino sofrido
Nas minhas unhas pintadas, no meu rosto de santa
Na minha voz aberta e grossa, mas tão doce de ouvir
Tão fácil de chamar, tão difícil de calar!
Não,
Não te darei esse beijo que sempre quiseste
Mas que nunca irás querer quando for teu!
Nem serei essas duas musas que te prendem
Com a força da fraqueza e o encanto da dureza
E com tudo o que nunca terás porque não o sou.

Terás de te perder na banalidade da noite
Tão cheia de gente, tão cheia de nada,
Onde gritam morcegos
Que caminham sem avançar na estrada
E que bebem, bebem, bebem,
E nada esquecem!
Terás de ser um desses morcegos
Alegres e animados,
Vazios e inanimados,
Para desejares a minha complexidade
E amá-la como uma só!

sábado, 5 de abril de 2014

Deixaria para trás aquilo que o presente não faz de futuro
Sozinha no tempo
Que não sou

domingo, 30 de março de 2014

cristal

Reluziam na noite as sombras que o dia deixou
Espelhadas nas lágrimas límpidas e vazias
À espera que a magia lhes desse cor.
Oh sal, muda de sabor!

sábado, 22 de março de 2014

madrugada nua
candeeiros escuros
a iluminar
discretamente

guitarra na mão
como se a cantar
eu fosse o suspiro
da noite
que vive em mim
e teima
em não adormecer

não há nada a temer
quando são 2 da madrugada
e escreves um poema 
sobre uma canção
que nunca foi cantada

nem há pesadelo pior
que a arte de aprender
a ser feliz sozinho
numa cama de três:

eu, tu
e aquela coisa
que falta

domingo, 16 de março de 2014

Entardecer

O guarda-sol, parado, já não guarda o sol que retarda
E eu, cansada de nada, fujo dos raios a cada quarto d'hora
Atrevendo-me a ponderar empurrá-lo da próxima vez
Em que o sol balance no azul e saia fora do pano!
Peço desculpa, amigos, pelo meu ato egoísta
Mas, acabando com a mística,
Lembro-vos de que o sol não balança, 
Nem a tarde cai,
Nem seria possível eu fugir
De algo que não avança!
É o guarda-sol, aquele que se faz de parado,
Que foge a cada quarto d'hora,
E eu, sem saber qual o sentido errado,
Já não mais tenho alma
Para o empurrar contra a gravidade!

Dei por mim a entardecer.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Imagina.

Umas gotas de dior,
O som da água a sair do chuveiro,
E eu, nua, parada no tempo
Afastava com a mão o nevoeiro
Daquele pequeno espaço a ferver
Contemplando a beleza do espelho
Como se nada mais precisasse

A água não parava de cair;
Magnífica banda sonora me acompanhava!

Nada parecia útil,
Se não o prazer
De ser o que desejo

Imagina.

sábado, 1 de março de 2014

esta

A televisão não se cala

Diz coisas que eu ouço
Mas não quero escrever

É escusado registar
O tipo de coisas que dão notícia!
Esta dor que sinto
É muito mais grave:
Não tem causas
Não tem soluções
E, mais grave ainda,
Ninguém lhe paga publicidade

sábado, 22 de fevereiro de 2014

E os dias acabam sempre assim:

Um templo de saudade
Daquilo que não aconteceu
Como queríamos

vácuo

Os peões andavam de um lado para o outro acelerados
Os carros apitavam involuntariamente sem razão
Ouviam-se repetidamente “bom dias” cansados
Conversas meteorológicas, perguntam-se as horas
Até que surge uma discussão sobre a moralidade
(das personagens da novela) na paragem do autocarro
Ou um resumo das tragédias noticiadas na noite anterior
Acompanhado pelos típicos lamentos da vida!
 “A gente não pode fazer nada!”
“É a vida!”
“Anda-se uma vida toda a trabalhar para acabar nisto”
“Tanta gente que não fazia cá falta e tinham de escolher este”
“Perdoe-Me, Deus lá sabe o melhor para nós”
Pois sabe.
Chega mais um sujeito.
Mais um bom dia.
“Acho que o tempo vai abrir à hora de almoço” – diz
Só o velho, a alma mais vulnerável presente, responde
“Foi o que eu li no jornal”
Neste mundo, é preciso estar em baixo para ser-se simpático
(ou revoltado, depende)
O autocarro nunca mais chegava
Trocavam-se olhares monótonos e sem expressão
As cabeças encostavam-se ao vidro da paragem
Não se via um sorriso
Nem entusiasmo
Nem afeto!
“O autocarro deve estar perto”
Disse uma sopeira, olhando para o relógio pela décima vez
Mexia o pé constantemente, passava a mão pela tez enrugada
Ajeitava o cabelo, a volta de prata que levava ao pescoço e a saia que lhe ia caindo,
Mulher ansiosa, sem entusiasmo nem vida, estava ansiosa por nada!
Onde estariam os seus filhos? O que fazer para o jantar?
Para onde teria ido o marido?
...Há dez anos atrás
“A vida tem coisas más” - palavras sábias da velha justificando o excesso de dramatismo do episódio da noite anterior – “Mas há males que vêm por bem”
A conversa com a mulher de meia idade já ia na terceira novela da noite
E termina com algo como: “Eles lá sabem o que vai acontecer!”
“Alguém gravou a novela da sic de anteontem para ver ontem durante a tarde?”
Não há interferência sonora, mas há quem abane a cabeça na horizontal.
“Estranho! Tanta gente a perder a novela... Já ninguém me quer aturar” – pensamento mais sábio do dia e desta vez não era um ditado.
O autocarro chega.
(A paragem estava vazia)
Pessoas entram! 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Carrego um armário de coisas
Apenas porque
(literalmente e iliteralmente)
Não me quero arrepender de deitar um vestido ao lixo
Quando encontrar os sapatos perfeitos para ele!

domingo, 16 de fevereiro de 2014

ParadoxalMente

as palavras são demasiado curtas
para dias tão compridos
e, mesmo assim,
tudo o que faz a diferença
ficou por dizer
ou achamos que dissemos
por outras palavras

enigmática esta arte
de dizer o que não se disse
por outra maneira de o dizer

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Eles acham que se vingam em falar mal
E que me magoam com palavras que não ouço
Mas que pairam no ar e estragam a minha memória!
Eles acham que eu sofro por não estar lá
E por não me poder defender dos dentes mal lavados,
Dizendo que não disse que disse,
Ou que disse o que não disse ou disse e nem me lembro!
Acreditam que mesmo sem puder ver nem ouvir
Sinto as más energias que depositam no meu nome
E choro tempestades noturnas,
Com a esperança de acordar alguém
Ou entrar nos sonhos de um pobre inocente!
Eles acham que não aguento o peso do arrependimento,
E que daria tudo por uns segundos extra
Em que me ajoelharia perante eles, suplicando perdão.
Eles acham tudo o que queriam que fosse
Mas não sabem o que é a morte!
Não sabem que estou lá em cima, no paraíso,
Um lugar onde tudo é eternamente novo!

Eles é tão distante e pequeno,
Que não dói.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Auto-Adversário

O problema é que a sociedade e a vida são justas demais
E todos se esquecem que ninguém vence a Natureza
Mesmo que os dias sejam tristes e as águas paradas

A batalha mais difícil é sempre aquela que criamos com nós mesmos
Porque a guerra que declaramos aos outros
Mesmo que perdida

Nunca é culpa nossa

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Esperança

Parece que o mundo vai acabar quando dizes que não em silêncio
E todas as palavras já ditas e verdadeiras
Perdem o valor quando me inundas nessa ausência negativa
Que arde mais do que fortes facadas que não quero ouvir!
Preciso da presença, da confirmação, do sim ou do não,
Preciso de ouvir o que vejo em gestos,
O que a razão já concluiu e o conselheiro já disse
Preciso de ouvir o que já sei para saber que sei!

É tão difícil acreditar tanto quanto é difícil não o fazer
O sol é sempre o mesmo, a lua tem rotina marcada,
E nada é mais belo no mundo do que acreditar na beleza
Que está para além dele!
Somos animais que vivem à procura de magia,
À procura de algo que não sabemos,
E criamos mística nas coisas que não nos satisfazem!

Há sempre um canto por completar,
O coração, repleto de sangue, parece que não bate,
O dia nunca acaba,
E só o ano passou depressa!

Impacientes, queremos que chegue o fim de semana,
Mas ficamos fartos dos domingos longos,
Dos programas de televisão sem conteúdo,
Dos filmes que vemos sem vontade!

A vida e o mundo precisam mais de nós do que das coisas,
E é por isso que questiono o porquê de depositarmos
A responsabilidade de preencher a nossa vida
Em coisas desprovidas dela.

Somos eternas crianças,
Com problemas mais embrulhados
E com equações mais compridas por resolver,
Mas o que está dentro do embrulho não muda,
E as regras de resolução são sempre as mesmas!
A arte de viver está em conseguir ultrapassar as camadas de papel
E não deixar de ver o que está dentro do embrulho,
Está em olhar para a equação,
E, com calma, moderação, confiança, entrega e clareza,
Recordar as regras que nos ensinaram na primária
E aplicá-las
Nunca esquecendo que não se resolvem equações a caneta,
E que também não serve de nada escrever a lápis,
Se não tivermos sempre connosco uma borracha.

No papel,
O corretor nunca fica bem,
E se escrevermos antes de ele secar,
O aspeto piora ainda mais
E todos nós acabamos por arrancar a folha.

É só aqui que a metáfora deixa de fazer sentido,
Afinal, na vida não pudemos arrancar folhas,
Terminar capítulos antes do tempo,
Nem deixar parágrafos por ler.
A única solução é esperar pela próxima página
Sem perder o autocontrole, a paciência e a razão:
Só assim poderemos acreditar no facto

De que a ausência injustificada pode trazer um sim!