sexta-feira, 23 de maio de 2014

Do momento

Continua!
Não há lugar certo, homem,
Não há lugar certo!
Continua que amanhã tens de viver
E abraçar a nudez da noite
que ainda não viste
nem nunca verás

Irmão, não há lugar certo!
Continua que amanhã tens de sentir
O mesmo conto sem pontos
A mesma saudade por perto
Que nunca te tocará!

Continua,
Que amanhã o destino será o mesmo
(o destino é sempre o mesmo
depois de alcançado)
Mas verás mais umas curvas,
Uns viadutos, umas portagens
E irás parar cansado,
À procura de um café
De um "boa noite, o que deseja?"
E, quando te sentares
A ler o jornal inútil que saiu de manhã
Por instantes, aquele lugar parecerá o certo!

sábado, 17 de maio de 2014

A segunda trinca de Adão

Esta manhã acordei a horas desapropriadas,
Rebolando na minha cama vazia!

O perfume era de alfazema,
As curvas confortáveis
Deslizavam sobre o colchão ortopédico!
Vida adormecida, sem lema,
Coração partido, amor periférico!
Nada é tão belo como o escuro,
As persianas semiabertas,
O amanhecer inseguro,
Visto por baixo das cobertas,
Que a mamã não esqueceu!
Não sou mulher de adormecer ao relento,
Mas jamais acordarei protegida,
Depois de ser levada pelo vento,
Que a madrugada alcoolizou!

Sou a deusa que o perigo nunca teve,
Ouso da minha inocência,
Fatalmente doce, natural
E tão consciente!

Não vais querer cair na minha indefinição,
Na minha mente espessa, no meu corpo são!

Sou a maça que Adão não trincou
E a Eva que o fará saborear o resto da maçã,
No dia em que o equilíbrio explodir
E a balança pesar o mesmo para os dois lados.

Não sei o que há-de vir!
As deusas nunca sabem o futuro,
Nada se fará realidade depois de pensado
E Adão e Eva nunca existiram.
Mas eu, perigo disfarçado,
Creio no que não vi,
Quando o sinto ao meu lado,
Nesta cama vazia,
Que será também de Adão,
Esse que não existiu,
Um dia!

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A lua engradeceu na noite em que se deitou ao meu lado!
Somos sempre maiores quando deixamos um céu de estrelas
Para cair ao lado de uma só voz!

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Unidade

Esqueci-me de poetizar esta vida que não canta
E que adormeceu no meu figurino sofrido
Nas minhas unhas pintadas, no meu rosto de santa
Na minha voz aberta e grossa, mas tão doce de ouvir
Tão fácil de chamar, tão difícil de calar!
Não,
Não te darei esse beijo que sempre quiseste
Mas que nunca irás querer quando for teu!
Nem serei essas duas musas que te prendem
Com a força da fraqueza e o encanto da dureza
E com tudo o que nunca terás porque não o sou.

Terás de te perder na banalidade da noite
Tão cheia de gente, tão cheia de nada,
Onde gritam morcegos
Que caminham sem avançar na estrada
E que bebem, bebem, bebem,
E nada esquecem!
Terás de ser um desses morcegos
Alegres e animados,
Vazios e inanimados,
Para desejares a minha complexidade
E amá-la como uma só!