As ondas acariciavam a areia,
levavam-lhe as pedras mais pesadas e devolvi-as já desfeitas, como se de pós
mágicos se tratassem. O mar parecia estar de férias para um retiro espiritual.
A areia mantinha-se branca e macia, carregada de algas secas em risco de vida.
O sol transmitia uma força misteriosa e reconfortante que aquecia sem queimar,
parecendo estar a disfrutar dos seus últimos momentos do dia naquele lugar,
onde se intersetava com o mar e refletia os seus raios retos na suave ondulação
das águas. O céu alaranjando era o pano de fundo daquele cenário digno de uma
arte ainda mais íntima do que tudo aquilo que já fora feito outrora. Toda
aquela aurea seria explicável apenas por algo superior e a superioridade está no
poder de tornar algo banal em algo capaz de levar todos os indivíduos deste
universo a viver aquele preciso momento com toda a precisão, deixando para trás
aquilo que são para encarnarem aquela magia por instantes. O ambiente era§ perfeito. Todos os elementos se abraçavam àquele enlace. O amor tinha sido
roubado a todos os corações do mundo para se concentrar ali e os dois
criminosos não demonstravam receio em serem captados. Seriam capazes de fazer e
refazer tudo o que estivesse ao seu alcance para poderem viver suspensos
naquele instante. Não houve palavras a entupir os suspiros, a ofuscar os
olhares, a criar vibrações entre a pele que se tocava. O silêncio falava mais
alto do que qualquer sonoridade com um significado lato. A palavra perfeita, a
palavra que deveria ser dita, ainda não tinha sido inventada e para quê existir
uma palavra para a qual não conseguimos conceder significado?
Ambos sabiam apenas que estavam
ali por um infeliz acaso, mas qualquer acidente deixaria de ser negativo se fizesse
emergir o que eles estavam a sentir. A memória tinha-lhes fugido sem pedir
autorização e tudo aquilo que eles eram baseava-se nos dias que tinham passado
juntos. “Nós somos as nossas memórias” e por isso, eles conheciam todas as
esquinas do coração de um do outro. Para eles, o único mundo que existia era os
traços do rosto e do corpo daquela pessoa que tinha ido parar aquele lugar que
iria passar a ser o seu lar. Na verdade, pareciam conhecer melhor o outro do
que a eles próprios, como se não houvesse nada a descobrir dentro deles, mas
sim uma esperança de que dentro do outro vivia algo maravilhoso capaz de os
salvar do vazio. Um vazio imensamente feliz! Um vazio que se preenchia a cada
dia que passava com o amor que os reunia sem saberem. Só existiam eles os dois.
Quem mais poderiam amar? O que mais lhes poderia garantir que continuavam
vivos?